Cláusula escalonada no Planejamento Sucessório de empresas familiares

14 fevereiro 2022 / VG
  1. INTRODUÇÃO

Desde cedo nos ensinam a poupar e a investir nosso dinheiro, para que possamos alcançar nossa independência financeira e acumular patrimônio. Nas escolas há, inclusive, aulas sobre educação financeira, mas o que não nos ensinam e acabamos deixando de lado é o planejamento sucessório de todo esse patrimônio acumulado.

No Brasil, não há a cultura de se planejar a sucessão dos bens. Grande parte da população, inclusive, desconhece as regras de sucessão, assim como, a possibilidade de organização do patrimônio antes do falecimento.

Neste cenário encontram-se as empresas familiares, que segundo Pesquisa Global da PwC, em 2018, 44% (quarenta e quatro por cento) das empresas dessa natureza não tinham qualquer plano de sucessão e 72,4% (setenta e dois vírgula quatro por cento) não tinham definida a continuidade de cargos-chave da sociedade, como aqueles de diretoria, gerência, presidência e gestão. Fato este que implica diretamente nos números de sucessão dessas empresas. Segundo o mesmo instituto, o tempo médio de vidas destas empresas é de 3 (três) gerações, sendo que apenas 12% (doze por cento) sobrevivem. Enquanto que as empresas que conseguem chegar a 4ª (quarta) geração correspondem ao ínfimo percentual de 3% (três por cento).[1]

Considerando que as empresas familiares correspondem a 90% de todas as empresas em atividade no Brasil, chegando a representar 65% (sessenta e cinco por cento) do Produto Interno Bruto – PIB e serem responsáveis por empregar 75% (setenta e cinco por cento) dos trabalhadores no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[2], conclui-se que o impacto negativo na economia causado pela falta de planejamento e gestão da sucessão empresarial é substancial.

Em estudo apresentado pela Revista Época Negócios[3], se fossem somadas as rendas anuais de todas as empresas familiares do mundo, esta corresponderia a terceira maior economia mundial, atrás apenas de Estados Unidos e China. Ou seja, o segmento das empresas familiares é responsável por grande parte da riqueza mundial, de forma que deve ser observada e cuidada com maior cautela.

Ocorre que além de se desconhecer das regras de sucessão, não se tem o conhecimento também das ferramentas que podem ser utilizadas para organização do patrimônio, prevendo a abertura de uma sucessão. Há diversas ferramentas que podem ser utilizadas no planejamento sucessório, a fim de tentar se evitar brigas entre herdeiros; e há outras tantas ferramentas que podem ser utilizadas quando houver conflito entre eles, que não seja a esfera judicial.

É comum nas empresas existir cláusula arbitral nas hipóteses de dissolução parcial da sociedade, ou em processos de cisão, fusão e incorporação. Todavia, a mediação e a arbitragem acabam não sendo as vias escolhidas quando se trata de discussões familiares. Dessa forma, o Poder Judiciário acaba sendo acionado, e brigas longas e duradouras se arrastam por anos e anos, desgastando os entes da família e impactando na rotina a sociedade, que por muitas vezes acaba tendo que baixar as portas ou ser vendida a terceiros.

A cláusula escalonada, pouco conhecida no universo das empresas familiares, pode ser uma ferramenta utilizada para resolução desses conflitos, que tem como objetivo atender de forma mais adequada essa questão, focando na passagem de bastão e na continuidade da empresa.

Dessa forma, esse estudo visa demonstrar as vantagens que a cláusula escalonada pode trazer na sucessão de empresas familiares.

  1. SUCESSÃO DE EMPRESA FAMILIARES E PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

O Direito das Sucessões surgiu para garantir a continuidade do patrimônio através das gerações, mas essa continuidade nem sempre é tranquila e muitas vezes a sucessão se converte em rompimento, brigas, originando verdadeiros dramas familiares.

Em torno da herança surgem rixas capazes de provocar a dissolução precoce do vínculo amoroso familiar, com repercussão direta nas relações patrimoniais. Não são poucas as empresas que acabam em razão das disputas entre os herdeiros ou de sua falta de habilidade para gerir o patrimônio ou conduzir os negócios da família.

Pesquisa realizada em 2009 por Höft Consultoria[4], conforme atestado por Eduardo Pimenta, aponta que 70% (setenta por cento) das causas de insucesso de empresas familiares estão atreladas ao conflito entre parentes. Segundo Djalma Oliveira[5], empresas familiares duram em média 24 (vinte e quatro) anos, enquanto empresas não familiares tem média de “vida” de 45 (quarenta e cinco) anos. Ou seja, as empresas familiares têm estimativa de duração de menos de 50% (cinquenta por cento) das empresas que não tem essa natureza, e em grande parte das vezes, esse insucesso está arraigado à sucessão patrimonial e aos consequentes conflitos advindos de tal fato gerador.

Não é difícil buscar exemplos na história brasileira de empresas familiares que tiveram esse destino. Destacam-se grandes empresas que fecharam suas portas em razão de sucessões mal arquitetadas, como Prosdócimo, Mesbla, Arapuã, HM, entre outras.

Posto isso, é clara a necessidade de se buscar uma solução mais adequada quando há a morte do patriarca, fundador da sociedade. A perpetuidade das empresas familiares é de veras relevante para o mundo empresarial, e com grande impacto na economia, como já destacado acima.

Dessa forma a sucessão causa mortis deve ser observada com cautela e melhor tratada, deixar a passada de bastão para o momento da abertura da sucessão, sem qualquer planejamento anterior, ficando a mercê das regras legais e do Poder Judiciário, já se demonstrou em números que é uma grande armadilha.

O que se observa em grande número dos casos de empresas familiares, principalmente as de médio e pequeno porte, é que nem se considera a possibilidade de se pensar na sucessão da administração societária. Mantem-se uma crença na imortalidade do fundador e uma, irracional, indiferença com o futuro da sociedade. Não se pensa na morte como algo fático e possível de acontecer a qualquer momento, ignorando a sociedade em que vivemos, e a possibilidade latente de sofrermos qualquer mal físico ou de saúde, que impeça a continuidade da gestão, ou mesmo um possível acidente que leve a óbito e, de uma hora para outra, não se tenha mais o administrador da sociedade presente, o ditador das regras. Além das questões emocionais que isso impacta, as questões legais ficam todas travadas, tendo os herdeiros em um momento tão difícil ter que lidar com as dificuldades que o ordenamento jurídico nos impõe, para dar sequência a gestão da empresa. Ressalta-se a burocracia que há para que os herdeiros possam gerir a empresa, representando a mesma, movimentar contas bancárias, manter vínculo com fornecedores e clientes, etc., com a vacância do cargo de administrador e a necessidade de ter que se passar por um processo de inventário.

Assim, precisa-se encontrar meios tanto de preparar a empresa como herdeiros para receber esse patrimônio e dar continuidade a operação da empresa, prosperando, bem como construir um caminho de solução de conflitos, mirando a hipótese de os herdeiros não entrarem em acordo, o que é bastante comum, infelizmente.

Há algumas consultorias especializadas que buscam auxiliar os patriarcas na escolha de seus sucessores, as chamadas family office consulting. Essas consultorias buscam preparar a família para troca de comando, impondo regras mais empresariais para a sucessão e alterando as relações interpessoais.

Há, ainda, outras formas de preparar para a sucessão empresarial. No Brasil se popularizou a denominada holding familiar, que nada mais é que uma sociedade criada para deter a participação societária das demais empresas do grupo familiar, como quotista ou acionista. A holding familiar tem como finalidade controlar o patrimônio de pessoas físicas pertencentes à mesma família. E essas pessoas passam a deter participações societárias da sociedade. A holding controlará o patrimônio familiar, podendo deter participações societárias de outras empresas da família, bem como bens.

O principal objetivo da holding familiar é proteger os ativos familiares já conquistados contra dívidas futuras e das demais hipóteses de perda de patrimônio. Podendo também, conforme o caso, reduzir encargos tributários, planejar a sucessão do patrimônio familiar, bem como criar regras de gestão corporativa dos sucessores.

Vale destacar que a holding é uma importante ferramenta do planejamento sucessório. Através dela os bens pessoais dos sócios e da família se integrarão como capital social da empresa. E os herdeiros passam a ter uma relação entre eles de sócios, com regras bem definidas pelo direito civil. No âmbito da empresa, ainda, é possível formalizar diversos instrumentos que regulamentam a relação, podendo ser estabelecidas regras de uso de bens, de venda, entre outros. Ainda, a holding, em muitos casos, é utilizada também no âmbito societário, com o intuito de centralizar e consolidar decisões de um grupo empresarial, a partir do momento que passa a ser sócia/acionista das empresas que compõe o grupo. Esse formato possibilita uma gestão financeira unificada das empresas do grupo.

Entretanto, é importante ressaltar que apesar da holding familiar ser uma ferramenta bastante utilizada no planejamento sucessório, ela não é a solução de todos os problemas. Deve ser analisado o caso concreto, uma vez que ela evita discussões, mas não as elide completamente.

O planejamento sucessório, então, vem justamente como uma necessidade dentro deste contexto, para prevenir, minimizar e solucionar litígios futuros e praticamente certos. Ele surge como uma forma mais razoável e menos penosa de efetuar a sucessão. São diversas as ferramentas que podem ser utilizadas nas operações de planejamento patrimonial de empresas familiares, sendo a holding familiar apenas uma delas. Essas ferramentas são apropriadas e bastante eficazes no sentido de fornecer respostas muito mais adequadas aos conflitos entre herdeiros do que os dispositivos previstos no Direito de Família e das Sucessões, uma vez que visam atender a uma nova realidade social, que os institutos do Direito de Família e das Sucessões, isoladamente, acabam não alcançando plenamente.

Então, entender, estudar e aplicar o planejamento sucessório na sociedade é fundamental para a perpetuação do negócio. A solidez de uma empresa familiar depende diretamente da qualidade do seu planejamento sucessório, o qual deve abraçar cláusulas de solução de conflitos, direcionando os caminhos que devem ser adotados pelos herdeiros, com diretrizes claras e concretas para a resolução dos conflitos e afastando as brigas das incertezas e morosidades do Poder Judiciário.

A cláusula escalonada deve fazer parte desse planejamento, trazendo os mecanismos da mediação e arbitragem para resolução de conflitos tanto no âmbito negocial como familiar, a falta dela poderá acarretar em riscos aos negócios da família, uma vez que os conflitos terão que ser solucionados exclusivamente no Poder Judiciário, que não tem se demonstrado o meio mais eficaz de resolução dessa espécie de problemática.

Esse entendimento é compartilhado por Maria Helena[6] de Carvalho, vejamos:

Independentemente de ser a holding ou a sucessão premeditada a forma escolhida de planejamento sucessório, sobretudo no caso de morte de fundador ou sócio, resta claro que, sem a concomitância de uma cláusula escalonada, haverá sério risco para a empresa familiar, risco esse que pode ser evitado contemplando-se os dois aspectos: o negocial e o familiar. Arbitragem e mediação. Soluções não simples, mas adequadas. Qualquer planejamento sucessório deve vir acompanhado dessa cláusula se o que pretende efetivamente é a perpetuidade da empresa familiar. Se for apenas a perpetuidade da empresa, pouco importará inclusive o método de planejamento a ser seguido.

  1. CLÁUSULA ESCALONADA E SUA APLICAÇÃO

Mas afinal de contas o que é cláusula escalonada? Essa modalidade de cláusula permite as partes determinar alguns caminhos para a solução de conflitos. Ela conjuga vias que se entendem adequadas para cada situação. Muitos doutrinadores conceituam como “sistema multiportas de resolução de conflitos”, isso porque através dessa espécie de cláusula é possível eleger caminhos alternativos para a solução dos desentendimentos, sem ter que passar obrigatoriamente pelo Poder Judiciário. Seleciona-se, assim, as “portas” mais adequadas para tratar a questão, visando sua efetividade, redução de custos, agilidade do procedimento, e, consequentemente, menos desgastes emocionais.

Destaca-se conceito dado pela Academia MOL – Mediação Online[7] sobre essa modalidade de cláusula:

A cláusula escalonada é um meio de acesso ao sistema multiportas de resolução de conflitos. Mecanismo de aplicação de outros métodos adequados de resolução de conflitos, alternativos ao judiciário, previsto em um contrato, como uma variedade de “portas” mais adequadas a tratar o conflito posto, com vistas a solucioná-lo com efetividade, redução de tempo, custos e cargas emocionais.

As cláusulas escalonadas não possuem previsão expressa na legislação brasileira, essa modalidade de cláusula surgiu da junção de institutos. Segundo Fernanda Levy, “embora ligadas pelo berço, mediação e arbitragem possuem lógicas diferentes e ao longo do tempo acabaram por seguir caminhos paralelos”[8]. Mas isso não as impede de existirem, vez que não há qualquer disposição legal em contrário, de forma que pelo princípio da legalidade, elas podem ser aplicadas em contratos entre particulares, devendo apenas respeitar os ditames das Leis de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996) e de Mediação (Lei n. 13.140/2015).

Posto isso, as cláusulas escalonadas são consideradas híbridas (ou seja, não se consideram os institutos como autônomos e distintos) e podem ter diversas combinações e etapas, todas pensadas de acordo com o caso concreto, e visando a solução eficaz de controvérsias. As combinações mais usuais são med-arb e arb-med, todavia, a Academia MOL – Mediação Online[9] aponta outras formas de cláusula escalonada, quais sejam:

  • Cláusula med-jud: As partes elegem submeter primeiramente o conflito à mediação, e se não houver sucesso vão ao judiciário, na hipótese de não terem chegado ao acordo sobre controvérsia.
  • Cláusula med-arb: As partes elegem submeter primeiramente o conflito à mediação, seguida da arbitragem, na hipótese de não terem chegado ao acordo total acerca da controvérsia.
  • Cláusula arb-med: A arbitragem é inicialmente instituída e posteriormente suspensa para que a mediação aconteça. Caso as partes cheguem ao acordo, o árbitro o homologa. Em caso contrário, a arbitragem é retomada.
  • Cláusula db-med-arb: As partes elegem submeter primeiramente ao dispute board, se o conflito seguir, encaminham para mediação, persistindo vão para a arbitragem.

Em que pese haver outras possibilidades de combinações de cláusulas escalonadas, no âmbito de conflitos originados em empresas familiares, conjectura-se dois caminhos mais adequados, através de cláusulas med-arb ou arb-med. Esse é o entendimento de Fernanda Levy[10], in verbis:

Como estipulações contratuais que preveem fases sucessivas que contemplam os mecanismos mediação e arbitragem para a solução de controvérsias. Esse escalonamento pode ocorrer de duas maneiras: pela previsão inicial de mediação e caso ela reste infrutífera no sentido de obtenção do acordo, continua-se a gestão do conflito com a arbitragem (cláusula arbitral escalonada med-arb) ou no sentido inverso, iniciando o procedimento arbitral, ele é suspenso para que a mediação se desenvolva, para em seguida ser retomado para a homologação do acordo ou continuidade do procedimento arbitral (cláusula arb-med).

Assim, no âmbito das empresas familiares vislumbram-se a aplicação mais efetiva da cláusula escalonada med-arb, ou seja, o conflito deve seguir os trâmites da mediação, para somente passar para o procedimento de arbitragem, se aquela restar infrutífera. Há, contudo, aqueles que entendam que, em alguns casos, a via reversa seja mais produtiva, de forma que aplicam a cláusula arb-med, iniciando o processo de arbitragem, o qual é suspenso para buscar a mediação entre as partes e se uma vez acordado entre elas, o tribunal arbitral homologará a transação.

Muito embora a cláusula escalonada seja um caminho alternativo e eficaz para solução de conflitos no âmbito das empesas familiares, como demonstra a experiência estrangeira, essa modalidade não é muito conhecida no mercado brasileiro. Dessa forma, é preciso ter bastante cuidado na redação dessas cláusulas, para que ao invés das mesmas facilitarem a solução de conflitos, acabem gerando ainda mais dor de cabeça às partes, se houver ambiguidades, incorreções ou até dubiedade em sua redação.[11]

Algumas Câmaras Arbitrais trabalham com essa modalidade de cláusula e possuem recomendações primorosas do que deve e não deve conter na redação da cláusula escalonada, afim de evitar discussões desnecessárias ou até mesmo a nulidade do dispositivo contratual.[12]

Posto isso, vale afirmar que a inserção de cláusula escalonada em documentos sociais, seja acordos de sócios ou acionistas, seja em instrumentos parassociais, como site letters, são bastante produtivos, visto que a mediação poderá por fim em conflitos e desentendimentos entre os entes da família, de forma rápida e eficaz, eliminando a repercussão indireta de tais dessabores na empresa. E na hipótese de problemas sem solução na esfera da mediação, ainda poderá se promover a pacificação através da arbitragem.

  1. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA ESCALONADA NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DE EMPRESAS FAMILIARES

No âmbito das empresas familiares, é comum se observar uma confusão entre o patrimônio pessoal e o da empresa, entre os negócios pessoais e da sociedade, e até mesmo dos institutos de ser o herdeiro proprietário e sócio da empresa, e (muitas vezes) não ocupar cargos diretivos ou de comando. Há uma imaturidade nesse sentido, e as empresas familiares brasileiras, principalmente as de pequeno e médio porte, sofrem com o processo de sucessão, diante do cenário desorganizado e a falta de preparo dos herdeiros para lidar com as questões empresariais.

Nesse contexto, a busca por um planejamento sucessório adequado é imperativa e a cláusula escalonada é mais uma ferramenta que auxilia no processo de organização e solução de possíveis controvérsias entre herdeiros. Assim, elaborá-la e aplicá-la nos instrumentos sociais antes de aberta a sucessão empresarial causa mortis torna o processo mais eficaz e mitiga riscos.

Naturalmente que é muito mais fácil estabelecer regras visando um consenso entre as partes antes do conflito surgir de fato, por tal razão que a cláusula escalonada deve ser prevista dentro de um planejamento sucessório prévio, em que a intenção das partes, nesse momento, é de atuar de forma cooperativa e colaborativa, dentro de uma atmosfera pacífica, escolhendo com liberdade de negociação mediadores, instituições, prazos, locais e regras procedimentais.

Visa-se, assim, além de se buscar uma solução mais célere para os conflitos familiares, também preservar a imagem da sociedade perante terceiros. Brigas, desentendimentos entre sócios não são vistas com bons olhos por funcionários, consumidores, clientes e fornecedores. O que pode impactar negativamente os negócios da empresa.

As cláusulas híbridas trazem diversas vantagens para a sociedade quando bem apostas em seus documentos sociais.

O principal objetivo de se prever uma cláusula med-arb é deixar claro para todos os envolvidos e principalmente para os herdeiros que primeiro se buscará a conciliação, tentando resguardar as relações continuativas. Somente se o acordo for infrutífero, partir-se-á para a próxima etapa.

Nessa espécie de cláusula o procedimento de mediação precede uma convenção de arbitragem, e uma de suas vantagens é que é possível que se empreste a força vinculativa da arbitragem para a mediação, sem que isso afronte o princípio da autonomia da vontade. Se faz necessário, para tanto, que esteja previsto na cláusula híbrida a obrigação de comparecimento das partes para reunião de mediação como pressuposto prévio do processo arbitral, conforme entendimento de Luísa Bottrel[13] que entende que o legislador reforçou tal posição, sob o seguintes argumentos:

Vale notar que, no direito pátrio, esse entendimento se viu reforçado pelo legislador, não só quando previu a suspensão do processo arbitral, quando há clausula de mediação no contrato sobre o qual pende o litígio (art. 23 da Lei n.13.140/2015), de forma a que as partes se submetam antes à mediação, como também quando impôs sanção à parte que deixa de comparecer à primeira reunião de mediação, ainda que vencedora na demanda que tiver por objeto a matéria da mediação para a qual foi convidada (art. 22, parágrafo 2, IV, da Lei n 13.1.40/2015).

Já na cláusula arb-med convenciona-se que em caso de conflito, as partes irão se submeter aos procedimentos de arbitragem, ajustando um incidente de mediação. O processo de arbitragem fica suspenso enquanto se opera o procedimento de mediação, que em caso de acordo, será homologado pelo tribunal arbitral. Há aqueles que preferem essa modalidade de cláusula escalonada, por entender que dessa forma nenhuma das partes se sentiria em posição de desvantagem perante seu adversário, que haveria um maior equilíbrio entre elas.

A grande vantagem dessa cláusula é que o processo de mediação “se incorpora” à arbitragem, e o acordo realizado durante o procedimento de mediação e homologado por sentença arbitral, tem força de título executivo extrajudicial, muito embora o acordo realizado através do procedimento med-arb também tenha a mesma sorte.

A cláusula escalonada, seja ela med-arb ou arb-med, pode ser aplicada em acordos de sócios e/ou acionistas, no próprio contrato e/ou estatuto social da sociedade, bem como em side letters ou outros documentos parassociais, de acordo com o interesse da família e vislumbrando em qual documento sua aplicabilidade seria mais eficiente.

A cláusula escalonada não precisa ser aplicada para todo e qualquer tipo de conflito, pode-se reduzir sua aplicação, como discussões e desentendimentos advindos da sucessão causa mortis, por exemplo, que é o foco do presente estudo. Como visto, a falta de planejamento sucessório acarreta muitas vezes em discussões pela divisão do patrimônio intermináveis, delegadas ao Poder Judiciário, que impactam no fechamento da empresa ou na venda desta a terceiros.

A previsão de cláusula híbrida nos documentos societários de empresas familiares agrega valor, na medida que se estabelece mecanismos e formas de solucionar possíveis conflitos, com regras claras e que entendam as dores daquela entidade familiar, ajudando na continuidade da empresa e educando as partes, principalmente os herdeiros, à cultura do diálogo.

  1. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto e dos números apresentados, constata-se a necessidade latente das empresas familiares planejarem seu futuro, projetando a sucessão causa mortis sem medo e receios, e arquitetando meios de passar pela troca de bastão, sem que isso impacte nos negócios e crescimento da sociedade.

O planejamento sucessório, apesar de bastante conhecido e debatido no Brasil pelos operadores do direito, ainda é pouco aplicado pelos empresários. Ele possui diversas ferramentas que auxiliam e facilitam a sucessão, visando mitigar riscos, desgastes emocionais e driblando a burocracia que o ordenamento jurídico nos impõe.

Uma forma de buscar a solução de conflitos gerados pelo evento morte do patriarca, fundador da sociedade, é através da previsão de cláusula escalonada nos documentos sociais da empresa, visando a solução mais célere, eficaz, e sem expor os problemas da sociedade a terceiros, evitando-se a morosidade do Poder Judiciário, que não está preparado para discussões complexas que se impõe de relações familiares no âmbito empresarial.

Como destacado, há diversas vantagens de se apor cláusula escalonada nos documentos sociais, trazendo para a sociedade os mecanismos da mediação e arbitragem para resolução de conflitos tanto no âmbito negocial como familiar.

Somente através do estudo da sociedade, do planejamento de sua sucessão é que se vislumbrará que as novas gerações trarão a inovação necessária ao avanço das empresas familiares, deixando sua marca, porém, mantendo vivas as tradições familiares, e por consequência mantendo vivas também as suas memórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. BOTTREL, Luisa. A mediação como alternativa para a resolução dos conflitos: a utilidade das cláusulas escalonadas nos contratos societários. ACRJ, 2019. Disponível em https://acrj.org.br/index.php/2019/01/22/a-mediacao-como-alternativa-para-a-resolucao-dos-conflitos-a-utilidade-das-clausulas-escalonadas-nos-contratos-societarios/. Acesso em 10 de agosto de 2021.

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MADALENO, Rolf. Planejamento Sucessório. Anais do IX Congresso de Direito de Família: Famílias Pluralidade e Felicidade.

O QUE É CLÁUSULA ESCALONADA? Cuidados em sua redação. Academia MOL – Mediação Online. Publicado em 23 de abril de 2018. Disponível em https://www.mediacaonline.com/blog/o-que-e-clausula-escalonada-cuidados-em-sua-redacao/. Acesso em 10 de agosto de 2021.

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LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas: a mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013.

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PIMENTA, Eduardo Goulart; ABREU, Maíra Lima. Conceituação jurídica da empresa familiar.: COELHO, Fábio Ulho; FERES, Marcelo (coord.). Empresa familiar. São Paulo: Saraiva, 2014.

[1] PESQUISA GLOBAL DE EMPRESAS FAMILIARES 2018. PwC. 2018. Disponível em https://www.pwc.com.br/pt/estudos/setores-atividade/pcs/2018/pesquisa-global-de-empresas-familiares-2018.html. Acesso em 08 de agosto de 2021.

[2] EMPRESAS FAMILIARES E PLANO DE SUCESSÃO. PwC. Disponível em https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-imprensa/artigos/empresas-familiares-e-plano-de-sucessao.html. Acesso em 08 de agosto de 2021.

[3] BRASIL TEM 15 EMPRESAS ENTRE AS MAIORES COMPANHIAS FAMILIARES DO MUNDO. Revista Época Negócios. 2015. Disponível em https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2015/04/brasil-tem-15-empresas-entre-maiores-companhias-familiares-do-mundo.html. Acesso em 08 de agosto de 2021.

[4] PIMENTA, Eduardo Goulart; ABREU, Maíra Lima. Conceituação jurídica da empresa familiar.: COELHO, Fábio Ulho; FERES, Marcelo (coord.). Empresa familiar. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 50-52.

[5] OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Governança corporativa na prática. São Paulo: Atlas, 2006.

[6] CARVALHO, Maria Helena Campos de. A cláusula escalonada na sucessão hereditária de empresas familiares. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2019, p. 155.

[7] O QUE É CLÁUSULA ESCALONADA? Cuidados em sua redação. Academia MOL – Mediação Online. Publicado em 23 de abril de 2018. Disponível em https://www.mediacaonline.com/blog/o-que-e-clausula-escalonada-cuidados-em-sua-redacao/. Acesso em 10 de agosto de 2021.

[8] LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas: a mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013, p.173.

[9] Idem.

[10] LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas escalonadas: a mediação comercial no contexto da arbitragem. Cit., p. 200.

[11] CARVALHO, Maria Helena Campos de. A cláusula escalonada na sucessão hereditária de empresas familiares. Cit, p. 111.

[12] Modelo de Cláusula da Câmara de Comércio Internacional – CCI: No caso de qualquer conflito oriundo do presente contrato ou com ele relacionado, as partes acordam submeter a questão a processo de solução amigável consoante o Regulamento ADR da CCI. Se o conflito não tiver sido solucionado segundo o referido Regulamento, no prazo de 45 dias após o Requerimento de ADR ter sido protocolado ou dentro de outro prazo que venha a ser convencionado pelas partes, por escrito, o conflito será solucionado definitivamente através da arbitragem, em conformidade com o Regulamento de Arbitragem da CCI, por um ou mais árbitros indicados de acordo com o referido Regulamento de Arbitragem. Disponível em https://cbar.org.br/site/wp-content/uploads/2012/05/ICC-865-1-POR-Arbitragem-Mediacao.pdf.

[13] BOTTREL, Luisa. A mediação como alternativa para a resolução dos conflitos: a utilidade das cláusulas escalonadas nos contratos societários. ACRJ, 2019. Disponível em https://acrj.org.br/index.php/2019/01/22/a-mediacao-como-alternativa-para-a-resolucao-dos-conflitos-a-utilidade-das-clausulas-escalonadas-nos-contratos-societarios/. Acesso em 10 de agosto de 2021.

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